Depois de ter chamado o Estado brasileiro de "raquítico", Marcio Pochman, presidente do IPEA veio a público com outro argumento primitivo para defender a alta carga tributária prevalecente no Brasil. Segundo ele, porque boa parte da carga de impostos retorna à sociedade diretamente sob a forma de programas de transferência de renda e pagamento de juros da dívida (detida majoritariamente por brasileiros), o governo não estaria onerando demais a sociedade, em termos líquidos.
Das duas uma: ou Pochman faltou às aulas introdutórias de microeconomia, ou age de má fé. Primeiro, a carga tributária no Brasil como proporção do PIB é quase o dobro da média das outras economias emergentes. Portanto, "raquítica" parece uma adjetivação imprópria. Segundo, e mais importante, mesmo que todo imposto voltasse direto ao bolso da população sob a forma de transfências diretas, a taxação ainda assim prejudicaria a economia. Isso porque o imposto distorce as decisões das pessoas, que trabalham menos ou vão para a informalidade quando a alíquota cresce; e das firmas, que cortam investimentos e contratam menos se precisam entregar boa parte dos frutos da sua produção ao governo.
Por que as pessoas e firmas evitam os impostos mesmo quando eles voltam inteiramente à sociedade? Porque, sob o ponto de vista individual, escapar da taxação gera benefícios grandes e um custo muito pequeno. Sim, se alguém escapa do imposto há menos dinheiro para o governo transferir para a sociedade como um todo, mas como cada agente econômico é apenas uma fração ínfima da sociedade, isso pouco afeta sua escolha. Portanto, a noção de carga tributária líquida de transferências é absurda. Pochman simplesmente ignora (no melhor dos casos) que impostos geram distorções nas decisões dos agentes econômicos, qualquer que seja o uso do montante arrecadado. É lamentável.
Apêndice: modelo simples de distorção
Um modelinho estilizado ajuda a entender o ponto apresentado acima. Pense em um país com 10.000 pessoas, onde cada um empregado no mercado formal paga 10 moedas de imposto ao governo, gerando um total de 100.000 de arrecadação. Para simplificar, suponhamos que o governo não gaste nada com sua própria manutenção (uma hipótese e tanto!): tudo que arrecada ele devolve à sociedade. A carga tributária líquida -- conceito caro a Pochman -- é, nesse exemplo, igual a zero. Cada um na sociedade recebe de volta 100.000/10.000 = 10 moedas. Mas o quanto ganha quem consegue escapar do imposto, migrando para o setor informal da economia onde o governo não arrecada nada, por exemplo? Esse indivíduo, claro, deixa de perder 10 moedas. A arrecadação do governo, consequentemente, cai para 99.990 reais. Dividindo a arrecadação total pela população, cada um passa a receber em transferências 9,99 reais (arredondando), ao invés de 10 reais. Quem não pagou deixa de perder 10 reais e perde apenas 1 centavo sob a forma de menor transferência. Seu ganho líquido: 10 - 0,01 = 9,99. Daí o incentivo a fugir do imposto. O problema é que como consequência muita gente passa ao setor informal, que é menos produtivo que o formal. A economia como um todo sai prejudicada.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
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Impressionante é que seja preciso escrever este tipo de coisa
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"Das duas uma: ou Pochman faltou às aulas introdutórias de microeconomia, ou age de má fé."
ResponderExcluirAmbas...
Parabéns pelo Blog. Qto a questão sobre o Pochman(das duas uma:...), nem precisa de teste de hipótese, a resposta é clara.
ResponderExcluirOtimo post, só uma dúvida, pq o setor informal seria menos produtivo que o formal. A única razão que está vindo na minha cabeça seria as perdas com economias de escala visto que as firmas no setor informal não podem se aproveitar das economias de escala pois se crescerem mto podem ser descobertas pelo fisco.
ResponderExcluir".. e das firmas, que cortam investimentos e contratam menos se precisam entregar boa parte dos frutos da sua produção ao governo."
ResponderExcluirPelo contrário, as empresas acabam contratando mais...a complexidade dos tributos acaba demandando um backoffice muito maior :)
Ótimo post e parabéns pelo blog.
Doutrinador
Bacana. Uma dica: justifica o texto.
ResponderExcluirAbraços,
Parabéns pelo Blog!
ResponderExcluirConcordo com a crítica feita quando Pochmann caracteriza de "pequena" a carga tributária brasileira -- lembrando que países com mesma renda per capita (inclusive com características similares a de um país emergente) apresentam uma relação da carga tributária (% PIB) menores que a do Brasil.
Ele sem dúvida peca ao deixar de lado a Crítica de Lucas, ignorando o fato de que os agentes econômicos reagem às políticas implementadas.
Um suposto aumento da carga tributária poderia ser realizado via redução do consumo (com, por exemplo, o imposto de renda) ou via redução da produção e, consequentemente, do consumo (via taxação de elementos da estrutura de produção -- salários, maquinário, importação, etc).
Dentre as formas de taxação sem dúvida, a mais maquiavélica é aquela que afetaria as decisões de alocação da produção e, portanto, de crescimento (longo prazo).
Apesar disso, é para se refletir até que ponto uma distribuição de renda desigual afeta o crescimento... A meu ver, uma tendência de piora na desigualdade de renda me parece afetar o crescimento principalmente por uma variável: a redução da capacidade futura de demanda. Dessa forma, políticas de transferência de renda (realizadas em meio a um arranjo ótimo de incentivos com os envolvidos) parecem atenuar os efeitos -- por mais pequenos que estes sejam -- sobre crescimento (longo-prazo). Vale dizer que isso não implica na minha concordância com Pochmann.
Guilherme
Vitor, além da questão da escala, a empresa informal tem mais dificuldade de levantar crédito por não poder prover colateral aos bancos.
ResponderExcluirDoutrinador, vc tem um ponto!!
Guilherme, eu sou um ortodoxo de esquerda. Sou favorável a programas inteligentes de transferência de renda, como o Bolsa Família, porque quem nasce pobre tem muito mais dificuldade de ter algum sucesso econômico na vida do quem nasce rico (ver, por ex, os papers do Nobel James Heckman). Colocando o ponto de outro modo: se pudéssemos fazer seguro contra nascer na miséria antes de virmos ao mundo, nós faríamos. Por conta desse problema de mercados incompletos (esse mercado de seguro, claro, não existe), penso que o governo deve sim implementar transferencias de renda. Como nos ensinaram Buchanan e Tullock nos anos 60, a política ideal é aquela que escolheríamos sob o véu da ignorância sobre nossa posição futura na sociedade.
Agradecemos a todos as boas vindas
Dudu, já saiu o livro novo?
ResponderExcluirJá adicionei o blog nos favoritos.
Abraço!
Parabéns.... Adicionado ao Favoritos de mais um estudante de economia....
ResponderExcluirAbs
O lançamento do nosso livro "Sob a Lupa do Economista" ocorre hoje (13/08) à noite na Saraiva. Haverá também um lançamento na USP, dia 26/08, às 11.30hs na Sala da Congregação, prédio FEA-1.
ResponderExcluirSe essa abominável carga tributária ainda resultasse em serviços públicos decentes... Vide os milhoẽs de filiados aos planos de saúde particulares!
ResponderExcluirParabéns pela promissora iniciativa deste blog. Que tenha longa vida, já que está evidente que trará valiosos bebefícios!
Há uma outra visão que justifica por que o indivíduo marginal do setor informal é menos produtivo que aquele do setor formal: se colocarmos a discussão em termos de diferenciais compensatórios (Rosen, 1986), a desamenidade de pertencer ao setor informal é maior para os indivíduos mais produtivos, pois se salário reflete em alguma medida produtividade marginal, esses têm maior probabilidade de serem descobertos por obterem maiores ganhos. Como resultado, em média a produtividade dos indivíduos alocados no setor informal é menor do que aquela dos indivíduos alocados no setor formal.
ResponderExcluirNesses termos, o setor informal não é "estruturalmente" menos produtivo que o setor formal, é apenas uma questão de auto-seleção. Essa visão que você reproduziu está um pouco ultrapassada na literatura de labor...
Claro que estou de acordo sobre a não-neutralidade da tributação, mas acho que a distorção recai mais sobre escolha ótima de oferta de trabalho bem como de consumo (dadas as condicionalidades de alguns dos programas de transferência de renda).
Concordo com a crítica a respeito da literatura de Labor Economics...Realmente em "The theory of equalizing differences" (Rosen, 1986) apresenta uma visão muito interessante sobre o tema, assim como, Ehrenberg (1985) e Fernandes (2002) expõem modelos formais de diferenciais compensatórios.
ResponderExcluirEmbora a literatura internacional demonstre uma ampla relação de estudos empíricos neste sentido, a literatura brasileira deixa a desejar.
Há poucos trabalhos que forneçam evidências de diferenciais salariais compensatórios para o caso brasileiro.
Fica aqui a deixa...
Abs
Igor e Guilherme, agradeço as excelentes contribuições! Apenas não consigo comprar que a questão da escala seja mera coadjuvante na explicação da menor produtividade...
ResponderExcluirNão sei se pessoas altamente produtivas podem ser mais facilmente pegas devido à seus altos ganhos, uma vez que indivíduos mais produtivos podem (devem...) ser mais eficientes em se "esconder", o que diminuiria a probabilidade de serem pegos. Isso poderia contrabalançar a probabilidade de ser pego...ou não?
ResponderExcluirBeleza...
ResponderExcluirmas quando enviar essa explicacao complexa para o Pokemon, elabore uma com desenhos para que ele possa entender....
Desculpa, guto. Se é muito complicado para voce que pessoas mais produtivas, devem ser mais produtivas em tudo, ate para se esconder, da proxima vez te faco um esquema!
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