Ontem o Metrô de São Paulo testou um novo esquema de embarque em horários de pico, nas estações Sé e Tatuapé. Para conter o empurra-empurra, permitiu-se que um número limitado de pessoas tivesse acesso à área de embarque. Os demais esperariam em um barreira, até que o próximo trem chegasse.
O resultado não foi dos melhores, já que o empurra-empurra foi transferido para a barreira. Tudo isso junto com a chuva (que torna o metrô mais lento) fez com que a operação fosse abortada após 45 minutos.
(foto extraída do portal do Estadão, 29/9/2009)
Uma forma simples de aliviar o problema da lotação em horários de pico é através do preço. Um bilhete mais caro na hora do rush faria com que diversas pessoas optassem por horários alternativos, que teriam um preço relativamente baixo. O metrô de Santiago, no Chile, adota um esquema do tipo, cobrando mais caro por viagens entre 7:00 e 9:00, e entre 18:00 e 20:00 (veja aqui).
É claro que isso pode criar substituição para outros meios de transporte, transferindo a lotação para ônibus e trens, por exemplo. Desta forma, seria necessário também ajustar as tarifas nos horários de pico também nestes casos.
Um efeito colateral perverso pode ser o aumento do número de carros nas ruas na hora do rush, se imaginarmos que as pessoas utilizavam o metrô (mesmo possuindo um automóvel) por conta da tarifa relativamente barata. Neste caso, seria necessário também criar uma punição, como o pedágio urbano, para quem usa o carro em horários de pico. Mas isso está longe de ser uma realidade em São Paulo. Deixo esta discussão para outro post.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
domingo, 27 de setembro de 2009
Mudança de Endereço
Caros leitores,
A partir do começo de Outubro o Blog muda de lugar. Estaremos dentro do site da revista Época.
A partir do começo de Outubro o Blog muda de lugar. Estaremos dentro do site da revista Época.
Taxi só lá embaixo!
Fui a Minas e a Santa Catarina semana passada dar palestras sobre nosso livro que dá nome a esse Blog. Nas duas vezes, quando cheguei de volta a Congonhas, ao sair pelo portão de desembarque me deparei com uns caras truculentos ao lado direito, formando uma espécie de barreira humana. Eles gritavam: "táxi só lá embaixo".
Para impedir que os passageiros pegassem táxis "não cadastrados", ou seja, para livrar a turma do aeroporto da concorrência, esse pessoal fazia parecer que pegar táxi na rua paralela ao desembarque era algo proibido por lei! E eles estavam lá de braços cruzados para fazer "a lei" valer. Impressionante. Quem ganha e quem perde? A proteção rende ganhos ao aeroporto em forma de taxas pagas pelos motoristas e, obviamente, aos taxistas estabelecidos. Quem perde, você já deve imaginar....
Este tipo de arranjo, aliás, era muito comum alguns séculos atrás. Na Europa, reis sem estrutura tributária sofisticada e ávidos por recursos para financiar pajelanças e guerras com vizinhos entregavam poder de monopólio legal a certos grupos de amigos, os tais amigos do rei, em troca de uma parcela dos ganhos extraordinários associados ao monopólio.
Contrastando com essa história de conluio em prejuízo do consumidor, ao ir ao parque Villa Lobos hoje com minha filha me impressionei com o custo horário da bicicleta dupla (que chegou ao parque algum tempo atrás e virou coqueluche), que havia alugado antes da viagem. Nesse interregno, o preço caíra pela metade! A explicação logo me ficou clara: na frente do parque, onde se alugam bicicletas, bolas e patins, vi que um outro microempreendedor, ao perceber a forte demanda pela tal bicicleta dupla, tinha reorganizado sua frota e estava oferecendo a tal bicicleta em grande quantidade aos clientes, forçando a concorrência a trazer o preço para algo mais próximo ao custo.
Hoje andei uma hora de bicicleta, ao invés dos usuais trinta minutos.
Para impedir que os passageiros pegassem táxis "não cadastrados", ou seja, para livrar a turma do aeroporto da concorrência, esse pessoal fazia parecer que pegar táxi na rua paralela ao desembarque era algo proibido por lei! E eles estavam lá de braços cruzados para fazer "a lei" valer. Impressionante. Quem ganha e quem perde? A proteção rende ganhos ao aeroporto em forma de taxas pagas pelos motoristas e, obviamente, aos taxistas estabelecidos. Quem perde, você já deve imaginar....
Este tipo de arranjo, aliás, era muito comum alguns séculos atrás. Na Europa, reis sem estrutura tributária sofisticada e ávidos por recursos para financiar pajelanças e guerras com vizinhos entregavam poder de monopólio legal a certos grupos de amigos, os tais amigos do rei, em troca de uma parcela dos ganhos extraordinários associados ao monopólio.
Contrastando com essa história de conluio em prejuízo do consumidor, ao ir ao parque Villa Lobos hoje com minha filha me impressionei com o custo horário da bicicleta dupla (que chegou ao parque algum tempo atrás e virou coqueluche), que havia alugado antes da viagem. Nesse interregno, o preço caíra pela metade! A explicação logo me ficou clara: na frente do parque, onde se alugam bicicletas, bolas e patins, vi que um outro microempreendedor, ao perceber a forte demanda pela tal bicicleta dupla, tinha reorganizado sua frota e estava oferecendo a tal bicicleta em grande quantidade aos clientes, forçando a concorrência a trazer o preço para algo mais próximo ao custo.
Hoje andei uma hora de bicicleta, ao invés dos usuais trinta minutos.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Pague 5, Leve 4
Na última quinta-feira, a Folha de São Paulo publicou uma nota informando que a Net foi condenada a ressarcir os usuários que ficarem sem sinal de TV ou internet. Acredito que a decisão seja justa; afinal, o consumidor deve pagar pelo que consome. Na feira, se ele pagar por 5 bananas, ele recebe as 5, e não 4. O princípio deve ser o mesmo para TV a cabo.
Mas a medida, se implementada, pode ter efeitos não triviais. Mais precisamente, quando um consumidor paga um valor fixo por mês, o risco para a firma é muito baixo. Basicamente, ela recebe o mesmo montante, independente da queda ou não do sinal (o risco incide inteiramente sobre o consumidor). É claro que a firma pode perder consumidores, insatisfeitos com as interrupções de sinal. Este efeito, porém, deve ser limitado aqui, uma vez que este mercado está longe de ser concorrencial.
A decisão do judiciário paulista transfere parte do risco para a Net, que passa a perder dinheiro com cada queda de sinal. Isso deve melhorar a qualidade do serviço, na medida em que a companhia passa a empreender maiores esforços para evitar este problema. Entretanto, eleva-se o custo para a firma, o qual deve ser em parte repassado para o consumidor. Adicionalmente, para compensar a maior exposição ao risco por parte do produtor, os preços também deverão subir.
Quem se dá mal com isso são as pessoas que pagam pelo serviço, mas não o utilizam com muita frequência (como aqueles que assistem TV somente à noite ou nos fins de semana). Estas pessoas beneficiam-se muito pouco com a melhora na qualidade do serviço (já que a probabilidade de ocorrer uma queda de sinal quando estão à frente da TV é baixa), mas têm que pagar um preço mais caro.
O ideal, nesse caso, seria oferecer dois contratos: um mais caro, mas que compense a pessoa pela queda de sinal (isto é, com baixo risco para o consumidor) e outro mais barato, mas com preço fixo (isto é, o consumidor fica com o risco). Desta forma, as pessoas que assistem menos TV não precisariam pagar pelo benefício dos demais.
Mas a medida, se implementada, pode ter efeitos não triviais. Mais precisamente, quando um consumidor paga um valor fixo por mês, o risco para a firma é muito baixo. Basicamente, ela recebe o mesmo montante, independente da queda ou não do sinal (o risco incide inteiramente sobre o consumidor). É claro que a firma pode perder consumidores, insatisfeitos com as interrupções de sinal. Este efeito, porém, deve ser limitado aqui, uma vez que este mercado está longe de ser concorrencial.
A decisão do judiciário paulista transfere parte do risco para a Net, que passa a perder dinheiro com cada queda de sinal. Isso deve melhorar a qualidade do serviço, na medida em que a companhia passa a empreender maiores esforços para evitar este problema. Entretanto, eleva-se o custo para a firma, o qual deve ser em parte repassado para o consumidor. Adicionalmente, para compensar a maior exposição ao risco por parte do produtor, os preços também deverão subir.
Quem se dá mal com isso são as pessoas que pagam pelo serviço, mas não o utilizam com muita frequência (como aqueles que assistem TV somente à noite ou nos fins de semana). Estas pessoas beneficiam-se muito pouco com a melhora na qualidade do serviço (já que a probabilidade de ocorrer uma queda de sinal quando estão à frente da TV é baixa), mas têm que pagar um preço mais caro.
O ideal, nesse caso, seria oferecer dois contratos: um mais caro, mas que compense a pessoa pela queda de sinal (isto é, com baixo risco para o consumidor) e outro mais barato, mas com preço fixo (isto é, o consumidor fica com o risco). Desta forma, as pessoas que assistem menos TV não precisariam pagar pelo benefício dos demais.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Mais sobre pirataria
O economista Koleman Strumpf, da University of North Carolina, traz alguns exemplos divertidos de propagandas anti-pirataria utilizadas pela indústria de entretenimento no passado, como reação a novas tecnologias que iam aparecendo. Veja aqui.
O interessante é a propaganda contra as cópias caseiras de fitas cassetes as quais, da mesma forma que a Internet hoje, estariam "matando a música". Divertido também é o vídeo entitulado "Don't copy that floppy", produzido pela indústria contra as cópias de games (na década de 80 acredito), feitas utilizando os antigos disquetes (floppy disks). Em um ponto, a letra da música diz "este é o fim da era do computador", implicando que as cópias domésticas de jogos eletrônicos por disquetes destruiriam a indústria.
O vídeo "Don't copy that floppy" da página de Strumpf tem uma qualidade muito ruim. Uma versão melhor pode ser encontrada aqui.
O interessante é a propaganda contra as cópias caseiras de fitas cassetes as quais, da mesma forma que a Internet hoje, estariam "matando a música". Divertido também é o vídeo entitulado "Don't copy that floppy", produzido pela indústria contra as cópias de games (na década de 80 acredito), feitas utilizando os antigos disquetes (floppy disks). Em um ponto, a letra da música diz "este é o fim da era do computador", implicando que as cópias domésticas de jogos eletrônicos por disquetes destruiriam a indústria.
O vídeo "Don't copy that floppy" da página de Strumpf tem uma qualidade muito ruim. Uma versão melhor pode ser encontrada aqui.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Piratas!
Recentemente, o governo francês decidiu apertar o cerco contra quem baixa ilegalmente arquivos de música da Internet. Basicamente, a pessoa que for pega 3 vezes fazendo downloads ilegais teria seu acesso à Internet cortado, ou poderia ser até condenada a prisão.
O governo inglês agora estuda implementar uma lei deste tipo. Surpreendentemente, diversos artistas de peso estão se posicionando contra a medida, como Radiohead, Pink Floyd e Blur (veja a matéria do Times sobre o tema aqui).
A justificativa é que, ainda que as vendas de álbuns se reduzam, a Internet pode elevar o número de fãs de um artista, permitindo um aumento nas vendas de ingressos para shows, camisetas, pôsteres, entre outros. Isso porque a Internet possibilita que o trabalho de um artista seja amplamente difundido: quando uma música cai na rede, ela pode ser compartilhada por milhares de pessoas utilizando softwares P2P (como Kazaa, Soulseek, Emule), que passam a conhecê-la (e potencialmente se tornam fãs do artista ou banda). Leis que proíbem as trocas ilegais de arquivos dificultariam este efeito de divulgação, principalmente entre o público mais jovem (justamente quem gasta mais em shows, camisetas, etc.).
Na verdade, o artigo empírico de Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf (Journal of Political Economy, 2007) não encontra nenhuma evidência de que a Internet tenha reduzido mesmo vendas de CDs nos Estados Unidos (discutimos com mais detalhe este trabalho em nosso livro). É bem possível que o fã de um artista prefira comprar um produto de melhor qualidade (já que o CD não só tem melhor áudio do que arquivos mp3, mas vem com encarte e caixa específicos). Ou seja, os arquivos mp3 baixados ilegalmente da Internet provavelmente não são substitutos tão perfeitos para o CD.
O interessante é que a cantora Lily Allen, revelada na Internet, posicionou-se fortemente contra as trocas ilegais de arquivos (veja matéria aqui). O debate continua.
O governo inglês agora estuda implementar uma lei deste tipo. Surpreendentemente, diversos artistas de peso estão se posicionando contra a medida, como Radiohead, Pink Floyd e Blur (veja a matéria do Times sobre o tema aqui).
A justificativa é que, ainda que as vendas de álbuns se reduzam, a Internet pode elevar o número de fãs de um artista, permitindo um aumento nas vendas de ingressos para shows, camisetas, pôsteres, entre outros. Isso porque a Internet possibilita que o trabalho de um artista seja amplamente difundido: quando uma música cai na rede, ela pode ser compartilhada por milhares de pessoas utilizando softwares P2P (como Kazaa, Soulseek, Emule), que passam a conhecê-la (e potencialmente se tornam fãs do artista ou banda). Leis que proíbem as trocas ilegais de arquivos dificultariam este efeito de divulgação, principalmente entre o público mais jovem (justamente quem gasta mais em shows, camisetas, etc.).
Na verdade, o artigo empírico de Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf (Journal of Political Economy, 2007) não encontra nenhuma evidência de que a Internet tenha reduzido mesmo vendas de CDs nos Estados Unidos (discutimos com mais detalhe este trabalho em nosso livro). É bem possível que o fã de um artista prefira comprar um produto de melhor qualidade (já que o CD não só tem melhor áudio do que arquivos mp3, mas vem com encarte e caixa específicos). Ou seja, os arquivos mp3 baixados ilegalmente da Internet provavelmente não são substitutos tão perfeitos para o CD.
O interessante é que a cantora Lily Allen, revelada na Internet, posicionou-se fortemente contra as trocas ilegais de arquivos (veja matéria aqui). O debate continua.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Combatento monopólio com mais monopólio?
Recentemente, os vereadores de Ilha Bela, que supostamente deveriam defender os interesses da população como um todo, aprovaram uma lei que seria cômica se não fosse trágica: segundo o novo dispositivo legal, alguém desejando abrir um estabelecimento comercial por aquelas paragens só poderá fazê-lo se a nova loja estiver a pelo menos 300 metros do concorrente mais próximo já estabelecido.
O objetivo? Segundo o vereador Erick Pina o propósito é evitar o monopólio das grandes redes e expandir o comércio para outros pontos da cidade!!???!!
Na verdade, como provavelmente sabe o vereador, a lei aumenta o poder do monopólio dos já estabelecidos, sejam eles de que tamanho forem, impondo uma barreira à entrada totalmente artificial, ou seja, criada pela lei, e não fruto de um avanço tecnológico que dá poder de mercado temporário ao inovador líder (remunerando assim sua inovação). Combater monopólio com monopólio me parece uma contradição incontornável.
A segunda parte do argumento do vereador Pina não é menos esdrúxula: com a lei ele pretende espalhar o comércio para outros cantos da cidade! Pergunto: se fosse interessante abrir lojas em outros pontos de Ilha Bela, hoje delas desprovidos, por que os comerciantes não o fariam por si sós? Se não estão lá hoje é porque não é economicamente eficiente. Ou existe alguma falha de mercado que me escapa na análise?
É bem possível que a lei anticompetição venha a falecer precocemente. Caso contrário, os moradores e visitantes de Ilha Bela pagarão mais caro pelos bens e serviços ofertados na Ilha, e alguns estabelecimentos comerciais terminarão em locais onde não deveriam estar, comprometendo assim a eficiência econômica.
O objetivo? Segundo o vereador Erick Pina o propósito é evitar o monopólio das grandes redes e expandir o comércio para outros pontos da cidade!!???!!
Na verdade, como provavelmente sabe o vereador, a lei aumenta o poder do monopólio dos já estabelecidos, sejam eles de que tamanho forem, impondo uma barreira à entrada totalmente artificial, ou seja, criada pela lei, e não fruto de um avanço tecnológico que dá poder de mercado temporário ao inovador líder (remunerando assim sua inovação). Combater monopólio com monopólio me parece uma contradição incontornável.
A segunda parte do argumento do vereador Pina não é menos esdrúxula: com a lei ele pretende espalhar o comércio para outros cantos da cidade! Pergunto: se fosse interessante abrir lojas em outros pontos de Ilha Bela, hoje delas desprovidos, por que os comerciantes não o fariam por si sós? Se não estão lá hoje é porque não é economicamente eficiente. Ou existe alguma falha de mercado que me escapa na análise?
É bem possível que a lei anticompetição venha a falecer precocemente. Caso contrário, os moradores e visitantes de Ilha Bela pagarão mais caro pelos bens e serviços ofertados na Ilha, e alguns estabelecimentos comerciais terminarão em locais onde não deveriam estar, comprometendo assim a eficiência econômica.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Galvão Bueno e a Crítica de Lucas
No fim da década de 70, Robert Lucas (prêmio Nobel de 1995) lançou um argumento - a chamada "Crítica de Lucas" - que colocou em dúvida as predições dos modelos macroeconômicos de então. Tais modelos supunham que os agentes econômicos agiam "olhando para trás", ou seja, utilizavam somente informações passadas para pautar suas ações. Nesse sentido, qualquer notícia nova (tal como um anúncio do governo) não influenciaria em nada o seu comportamento.
Segundo Lucas, se supormos que os agentes são racionais - no sentido de que eles utilizam toda a informação disponível a eles - o efeito de uma política econômica pode ser radicalmente diferente, a depender de como se percebe tal mudança. Por exemplo, se o Banco Central anunciar uma política de combate a inflação, e os agentes perceberem este anúncio como crível, o custo da política pode ser pequeno (em termos de perda de produto de curto prazo), na medida em que firmas e trabalhadores ajustam para baixo suas expectativas de inflação. No mundo dos modelos macroeconômicos da década de 70, esse anúncio seria completamente irrelevante, já que os agentes formam suas expectativas usando só a informação passada.
Nos últimos anos, a crítica de Lucas não só tem influenciado a academia, mas também formuladores de política. Todo o ponto do sistema de metas de inflação, por exemplo, é anunciar o comprometimento do Banco Central com inflação baixa, tentando assim influenciar a formação de expectativas dos agentes.
Mas como essa discussão se relaciona com o futebol (e, em particular, com Galvão Bueno)? Suponha uma partida em que o time A venceu o time B por 1 a 0, mas o ártibro não deu um gol legal para B. Várias pessoas argumentariam que, se a falha não ocorresse, o jogo terminaria em 1 a 1. Não necessariamente, segundo a crítica de Lucas. O ponto é que o gol de B mudaria o comportamento das equipes. Por exemplo, frente a um empate de B, o time A poderia se comportar mais ofensivamente, na busca da vitória. Sem informações adicionais, não dá para afirmar nada sobre o resultado final.
No último jogo Brasil e Argentina, Galvão Bueno argumentou que o Brasil estava sendo prejudicado no primeiro tempo, por conta do cartão amarelo não dado a Mascherano pela falta em Kaká (puxão de camisa). Minutos depois, frente a uma falta similar, Lúcio recebeu amarelo, levando Kaká a reclamar e receber também a punição (que o retirou do jogo contra o Paraguai). Galvão sustenta que:
(i) Se Mascherano recebesse o amarelo, Kaká não teria reclamado (como se isso fosse desculpa para a reclamação)
(ii) Mascherano teria sido expulso ao final do primeiro tempo, quando fez falta dura (e finalmente tomou amarelo)
O ponto (i) claramente passa o teste da crítica de Lucas. Galvão supõe corretamente que Kaká reage à "mudança de política" (o amarelo não mostrado ao defensor argentino), reclamando do árbitro. Se o cartão fosse mostrado a Mascherano, o meia brasileiro provavelmente não reclamaria e não seria punido. Mas o segundo ponto está em desacordo com Lucas. Se já estivesse pendurado, Mascherano com certeza não faria a falta dura que lhe deu o amarelo, correndo assim o risco de ser expulso.
Fica então a pergunta: por que Galvão supõe que apenas o brasileiro é um agente sofisticado, que reage à "mudança de política"?
Segundo Lucas, se supormos que os agentes são racionais - no sentido de que eles utilizam toda a informação disponível a eles - o efeito de uma política econômica pode ser radicalmente diferente, a depender de como se percebe tal mudança. Por exemplo, se o Banco Central anunciar uma política de combate a inflação, e os agentes perceberem este anúncio como crível, o custo da política pode ser pequeno (em termos de perda de produto de curto prazo), na medida em que firmas e trabalhadores ajustam para baixo suas expectativas de inflação. No mundo dos modelos macroeconômicos da década de 70, esse anúncio seria completamente irrelevante, já que os agentes formam suas expectativas usando só a informação passada.
Nos últimos anos, a crítica de Lucas não só tem influenciado a academia, mas também formuladores de política. Todo o ponto do sistema de metas de inflação, por exemplo, é anunciar o comprometimento do Banco Central com inflação baixa, tentando assim influenciar a formação de expectativas dos agentes.
Mas como essa discussão se relaciona com o futebol (e, em particular, com Galvão Bueno)? Suponha uma partida em que o time A venceu o time B por 1 a 0, mas o ártibro não deu um gol legal para B. Várias pessoas argumentariam que, se a falha não ocorresse, o jogo terminaria em 1 a 1. Não necessariamente, segundo a crítica de Lucas. O ponto é que o gol de B mudaria o comportamento das equipes. Por exemplo, frente a um empate de B, o time A poderia se comportar mais ofensivamente, na busca da vitória. Sem informações adicionais, não dá para afirmar nada sobre o resultado final.
No último jogo Brasil e Argentina, Galvão Bueno argumentou que o Brasil estava sendo prejudicado no primeiro tempo, por conta do cartão amarelo não dado a Mascherano pela falta em Kaká (puxão de camisa). Minutos depois, frente a uma falta similar, Lúcio recebeu amarelo, levando Kaká a reclamar e receber também a punição (que o retirou do jogo contra o Paraguai). Galvão sustenta que:
(i) Se Mascherano recebesse o amarelo, Kaká não teria reclamado (como se isso fosse desculpa para a reclamação)
(ii) Mascherano teria sido expulso ao final do primeiro tempo, quando fez falta dura (e finalmente tomou amarelo)
O ponto (i) claramente passa o teste da crítica de Lucas. Galvão supõe corretamente que Kaká reage à "mudança de política" (o amarelo não mostrado ao defensor argentino), reclamando do árbitro. Se o cartão fosse mostrado a Mascherano, o meia brasileiro provavelmente não reclamaria e não seria punido. Mas o segundo ponto está em desacordo com Lucas. Se já estivesse pendurado, Mascherano com certeza não faria a falta dura que lhe deu o amarelo, correndo assim o risco de ser expulso.
Fica então a pergunta: por que Galvão supõe que apenas o brasileiro é um agente sofisticado, que reage à "mudança de política"?
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
"Bilhete de Loteria"
O tio do primo de um amigo meu ganhou na loteria uns anos atrás. A princípio, todos ficaram extremamente contentes com os milhões que subitamente entraram nas contas do senhor de renda média. Uma verdadeira "dádiva de Deus".
Semana passada, meu amigo me ligou, entristecido. Relatou-me que a família havia passado por uma grande cizânia, seguida de inúmeras brigas miúdas, com cada um querendo abocanhar parte dos recursos de Deus. A loteria gerou, paradoxalmente, uma piora do bem-estar de todos.....
A notícia, apesar de triste, não deveria surpreender um economista. Afinal de contas, há uma vasta literatura sobre a chamada "Maldição dos Recursos Humanos", relatando como a descoberta de algum recurso natural importante pode acabar piorando a situação de um país.
Há dois canais de transmissão ligando recursos naturais à piora no desenvolvimento econômico ao longo do tempo. O primeiro, e a meu ver menos importante, é o do câmbio: mais petróleo fluindo do chão gera expressivo aumento da entrada de dólares no país, apreciação cambial e, consequentemente, perda de competitividade no setor de bens comercializáveis. Como esse setor apresenta em média maiores ganhos de produtividade ao longo do tempo que o de não comercializáveis, o crescimento de LP reduz-se. Esse problema pode ser parcialmente equacionado com a formação de fundos públicos destinados à compra de moeda forte.
O segundo canal tem a ver com a economia política do gerenciamento dos recursos naturais. Em países com instituições político-econômicas de má qualidade, a descoberta dos recursos naturais gera conflitos domésticos, muitas vezes armados, que destroem o tecido social e a capacidade de formulação de consensos, dado que cada grupo da sociedade passa a investir pesadamente em apropriar-se da recém descoberta dádiva de Deus a qualquer custo. Consequentemente, a política e a política econômica deterioram e o resultado final é estagnação da economia, impregnada por ávidos rent-seekers. Além disso, ocorre também um conflito geracional quando se descobre uma riqueza enterrada no solo: a geração corrente se apressa para gastar a dádiva, com prejuízo das gerações futuras, que ficam a ver navios (e às vezes precisam pagar pela farra gerada pelo excesso de otimismo da geração corrente).
Claro, na Noruega a descoberta de petróleo trouxe benefícios para a sociedade, dada a maturidade institucional daquele país, que possibilitou o uso racional da nova riqueza sem causar danos à coesão da polity. Mas em Serra Leo e na Nigéria, diamantes e petróleo estão mais para dádiva do diabo do que de Deus.
O Brasil é institucionalmente mais desenvolvido que Serra Leo, mas menos que a Noruega. Portanto, é difícil saber se o petróleo do pré-sal fará mais bem que mal a essa altura. Mas o leitor mais atento pode reclamar que estou colocando o carro à frente dos bois, pois o pré-sal ainda é só uma possibilidade. De fato, se o governo seguir planejando matar os incentivos privados à exploração, como sinalizou nesses dias com seu plano a la anos 50, não precisaremos nem nos preocupar com a Maldição dos Recursos Naturais, pois o petróleo dificilmente jorrará.
ps. Sobre esse tema, deixo aqui uma recomendação de leitura que me foi sugerida pelo Gabriel Madeira, da USP (http://www.res.org.uk/economic/freearticles/january06.pdf).
Semana passada, meu amigo me ligou, entristecido. Relatou-me que a família havia passado por uma grande cizânia, seguida de inúmeras brigas miúdas, com cada um querendo abocanhar parte dos recursos de Deus. A loteria gerou, paradoxalmente, uma piora do bem-estar de todos.....
A notícia, apesar de triste, não deveria surpreender um economista. Afinal de contas, há uma vasta literatura sobre a chamada "Maldição dos Recursos Humanos", relatando como a descoberta de algum recurso natural importante pode acabar piorando a situação de um país.
Há dois canais de transmissão ligando recursos naturais à piora no desenvolvimento econômico ao longo do tempo. O primeiro, e a meu ver menos importante, é o do câmbio: mais petróleo fluindo do chão gera expressivo aumento da entrada de dólares no país, apreciação cambial e, consequentemente, perda de competitividade no setor de bens comercializáveis. Como esse setor apresenta em média maiores ganhos de produtividade ao longo do tempo que o de não comercializáveis, o crescimento de LP reduz-se. Esse problema pode ser parcialmente equacionado com a formação de fundos públicos destinados à compra de moeda forte.
O segundo canal tem a ver com a economia política do gerenciamento dos recursos naturais. Em países com instituições político-econômicas de má qualidade, a descoberta dos recursos naturais gera conflitos domésticos, muitas vezes armados, que destroem o tecido social e a capacidade de formulação de consensos, dado que cada grupo da sociedade passa a investir pesadamente em apropriar-se da recém descoberta dádiva de Deus a qualquer custo. Consequentemente, a política e a política econômica deterioram e o resultado final é estagnação da economia, impregnada por ávidos rent-seekers. Além disso, ocorre também um conflito geracional quando se descobre uma riqueza enterrada no solo: a geração corrente se apressa para gastar a dádiva, com prejuízo das gerações futuras, que ficam a ver navios (e às vezes precisam pagar pela farra gerada pelo excesso de otimismo da geração corrente).
Claro, na Noruega a descoberta de petróleo trouxe benefícios para a sociedade, dada a maturidade institucional daquele país, que possibilitou o uso racional da nova riqueza sem causar danos à coesão da polity. Mas em Serra Leo e na Nigéria, diamantes e petróleo estão mais para dádiva do diabo do que de Deus.
O Brasil é institucionalmente mais desenvolvido que Serra Leo, mas menos que a Noruega. Portanto, é difícil saber se o petróleo do pré-sal fará mais bem que mal a essa altura. Mas o leitor mais atento pode reclamar que estou colocando o carro à frente dos bois, pois o pré-sal ainda é só uma possibilidade. De fato, se o governo seguir planejando matar os incentivos privados à exploração, como sinalizou nesses dias com seu plano a la anos 50, não precisaremos nem nos preocupar com a Maldição dos Recursos Naturais, pois o petróleo dificilmente jorrará.
ps. Sobre esse tema, deixo aqui uma recomendação de leitura que me foi sugerida pelo Gabriel Madeira, da USP (http://www.res.org.uk/economic/freearticles/january06.pdf).
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